
A poesia de Isabel Mendes Ferreira exprime, simultaneamente,
ingenuidade e cultura.
Se pensarmos que, nos nossos genes, pesa uma herança de
cultura,
diria que a esta poeta foi legado um riquíssimo lote na
insondável partilha do que cabe a cada um quando nasce.
Riqueza verbal, em primeiro lugar, logo seguida duma grande
maleabilidade no uso da linguagem pela aplicação da palavra
adequada ao real poético.
O texto revela, nesse aspecto, uma inteligência de sensibilidade
que escolhe palavras, descobre onomatopeias e levanta
metáforas com a prodigabilidade dos que,libertariamente,
espalham as heranças com sabedoria e requinte.
Depois vem a riqueza das situações. Uma mestria a revelar a
emanência poétia da relação amorosa numa indissolubilidade
corpo/espírito capaz de contribuir para clarificar a opacidade
da condição do corpo degradado pelo espírito e o espírito
degradado pelo corpo.
Esta emanência poética processa-se quase exclusivamente
sobre os ritmos dum corpo que parece despersonalizado.
À primeira aproximação poderia julgar-se que um mero
canto dos sentidos iria acentuar a redução a que,
lamentavelmente,deixamos chegar a condição amorosa.
No entanto, o personalismo
do encontro faz-se, não pela "nomeação" dos agentes mas pela
qualificação dos ritmos e dos sentimentos em que a situação
amorosa/poética se exprime.
Naturalmente, esta descoberta é criação duma mulher.
Ao contrário
do que se possa pensar, o feminino, pacientemente,
é quem mais tem contrubuído para dar à situação amorosa
alguma novidade e alguma personalização.
António Alçada Baptista
Março 1982